terça-feira, 23 de setembro de 2014

Em defesa da lei da cópia privada

Já escrevi aqui porque considero o Projecto Lei nº246/XII injusto e absurdo. E porque considero que, em vez de se discutir o tema da cópia privada, se devia era discutir a razão de fundo que motiva este projeto lei.
No entanto, dou por mim a escrever de novo sobre o tema pois existe um conjunto considerável de pessoas que defendem este projeto lei. Vale a pena um olhar sobre os argumentos dos defensores deste projeto lei.

Existe um primeiro conjunto de argumentos a que chamo emotivos. Não me preocupam. São inofensivos e servem essencialmente como entretenimento em programas tipo prós e contras. Curiosamente, são argumentos semelhantes às desculpas dadas pelos ladrões quando são apanhados a roubar. Alguns exemplos:

  1. "Já há artistas e autores a passar fome e com dificuldades para criar os filhos!" - Remete para clássica argumentação do "roubei, mas roubei para comer".  Se é para matar a fome, roubar é justo.
  2. "A taxa são muito baixas! Quem tem centenas de euros para dar por um telefone ou um tablet não pode suportar um eurito de taxa?!" -  Esta faz lembrar aquela burla bancária que consiste em tirar um cêntimo de todas as contas bancárias de um banco. O Ladrão fica rico, mas desculpa-se porque a sua ação não causou dano nas vítimas. Nem deram pelo roubo!". Se a vítima não der por ela, roubar é justo. 
  3. "Quem vai pagar não são os consumidores! É a milionária "Industria", que fatura milhões e enriquece à nossa custa!" - Esta também é um clássico. É a clássica moral Robin dos Bosques. Se é para roubar aos ricos, daqueles ricos que enriquecem à custa dos pobres, roubar é justo. 

Depois existe um conjunto de argumentos da linha oficial de argumentação. Com estes sim, fico preocupado. Preocupado por um simples facto. São verdade.

  1. Esta lei não é nova. É apenas uma atualização da lei de 1998.
  2. Esta lei é uma transposição de uma diretiva comunitária, a que todos os estados da EU estão obrigados.
  3. De um modo ou de outro, já existe lei da cópia privada em 22 países europeus.

Como é que se pode dizer que é injusta e absurda uma lei que já está em vigor há 16 anos, que existe em quase todos os países europeus e que tem origem numa directiva Europeia?

Tudo começa na diretiva europeia. Nem tudo o que emana da EU é ouro. Da EU emanam também diretivas injustas, desnecessárias, que regulam o que não é necessário regular, que complicam a vida aos cidadãos, que geram ineficiência, que geram burocracia e que, acima de tudo, penalizam a competitividade da economia europeia.
Esta directiva é uma dessas.

Depois há os estados membros da EU. São todos bons alunos. Aplicam as diretivas prontamente e sem questionar. Na realidade estariam a questionar-se a eles próprios. São esses mesmos políticos dos estados membros que estão lá na EU e legislar.
O facto de o Reino Unido, o aluno rebelde, ser uma exceção à aplicação dessa lei é revelador.

Por fim existimos todos nós, cidadãos, que não temos outra via senão aceitar que vivemos há 16 anos com esta lei injusta (se fosse só esta...),  e que nos sentimos impotentes, porque não existe na classe política quem se oponha a esta situação. Estão praticamente todos do lado do absurdo.



segunda-feira, 22 de setembro de 2014

A lei da cópia privada - A armadilha da taxódependência

Já escrevi aqui que considero que cópia privada é uma actividade que não causa qualquer perda aos detentetores dos direitos de autor. Qualquer iniciativa legislativa que vise compensar os detentores de direitos de autor, tendo como justificação a cópia privada, é injusta e absurda.

A cópia privada foi apenas um mecanismo encontrado para compensar os criadores de conteúdos pelas perdas resultantes da prática da pirataria digital e da prática da partilha de ficheiros através da Internet, práticas essas que geram perdas reais para os produtores de conteúdos. 

Perante a impotência em perseguir e punir os prevaricadores e o insucesso das campanhas de sensibilizaçao, instalou-se uma convição inabalável que a industria das tecnologias de informação é a principal beneficiada por estas práticas e que é justo que seja ela a pagar por estas perdas.
Se não for por esta via, será por outra. Está pré-definido quem terá de pagar. Ou pior, será por esta via e por mais outra. 
Está prometida uma nova lei da piratia digital. Não é preciso ser bruxo para adivinhar que vêm aí mais taxas e impostos para incidir sobre a industria das tecnologias de informação e comunicação.
E ainda se lembra da recente novela em torno da lei do cinema e quem ficou com o ónus de financiar a produção cinematográfica nacional?

Onde nos vai levar este acumular de taxas, impostos e rendas asseguradas para os criadores?
Com os seus rendimentos assegurados á partida, não precisam de produzir obras. Não necessitam de realizar vendas. Não se necessitam de se preocupar em ter o espectadores, ouvintes ou leitores.

Estão a cair na armadilha da "taxódependência", uma variante da subsídio-dependência, cujos resultados são conhecidos noutros setores da economia.
A prazo, os criadores vão ser os principais prejudicados por esta estratégia.

domingo, 21 de setembro de 2014

A Lei da Cópia Privada - O Bode Expiatório

Como já referi aqui e aqui, considero que a prática da cópia privada de livros e eBooks (ou outros conteúdos protegidos por DRM) não existe.  Essa prática existirá, numa escala pouco significativa, para filmes e vídeos. Existirão algumas pessoas a fazer cópias privadas dos DVDs/Bluray que compram.
A cópia privada existe de facto com maior expressão para a música. Eu próprio confesso que, já lá vão uns bons anos, ripei os meus CDs Audio para MP3 e arrumei os originais na arrecadação. Desde aí adquiro música digital. Quando ocasionalmente compro ou recebo um CD, lá vou eu ripá-lo para poder ouvir em mp3. 
Recentemente tomei consciência que tanto o meu novo computador pessoal, como o meu novo computador da empresa já não têm drive de CD. Não me posso desfazer do meu velhinho laptop se quiser continuar a fazer cópias privadas de CDs. A cópia privada de música está progressivamente a cair em desuso.

Em todo o caso, eventuais perdas causadas pela prática da cópia privada serão perdas mínimas e totalmente irrelevantes. Perdem o quê? As vendas dos CDs e DVDs que os consumidores comprariam repetidos? Mas alguém acredita que as compras de conteúdos repetidos têm qualquer expressão?

A cópia privada é um não problema. Não existe qualquer necessidade de legislar sobre compensações aos criadores pela sua existência.  Na proposta de lei n° 246/XII, tal como na  Lei n.º 62/98, a cópia privada é apenas o bode expiatório para os impactos que a revolução digital está a ter na industria dos conteúdos e nas receitas dos criadores e demais detentores de direitos de autor.

Qualquer iniciativa no âmbito da Cópia Privada é totalmente injusta. É injusta qualquer que seja a forma de compensação e é injusta qualquer que seja o valor da compensação. Tal como é injusta a prática do roubo. É injusto independente da forma como se pratica esse roubo e independentemente do valor roubado. 

O que está de facto em causa é a prática da cópia pirata e a prática de partilha de ficheiros através da Internet. Estas práticas são um roubo aos autores. São práticas injustas que necessitam de ser combatidas. Não podem é ser combatidas com medidas injustas.


E que tal concentrar esforços na resolução deste problema e deixar o bode expiatório em paz?




sábado, 20 de setembro de 2014

A lei da cópia privada - Livros, eBooks e Gambozinos

No que se refere aos Livros em papel, expliquei aqui porque, na minha opinião, não existe uma prática de cópia privada de Livros.
Não existindo essa prática, não vou perder muito tempo a opinar sobre uma lei, uma taxa, um imposto, ou qualquer coisa que se refira a uma coisa que não existe.
De igual modo, se o governo decidir legislar sobre Gambozinos, compromento-me  a não opinar sobre essa lei. Irei sim dedicar-me a demostrar que não existem Gambozinos. 
Não existindo Gambozinos, não vou discutir leis sobre Gambozinos. Não existindo a cópia privada de Livros, não vou discutir leis sobre o tema.

Passemos então aos eBooks. Livros,  mas agora daqueles digitais.
A venda de eBooks tem duas particularidades:

  1. As lojas online que conheço não me vendem uma só cópia do livro. Quando vendem, vendem logo 5 (ou 6, no caso do Kindle) cópias digitais do livro. Mesmo que queira comprar só uma cópia, não tenho essa escolha. Cada uma essas cópias fica associada a um dispositivo de leitura diferente (eBook readers, Computadores, tablets, etc). Se não tiver o número limite de dispositivos, nem sequer posso usufruir da todas as cópias que comprei.
  2. Todas as lojas online que conheço vendem os eBooks protegidos por tecnologias DRM (Digital Rights Management).   Se conhecerem alguma loja que venda eBooks desprotegidos (excepto as obras gratuitas que já estão no domínio público), avisem-me por favor. Ao comprar um eBook o consumidor está a aceitar uma  restrição adicional: o eBook só pode ser lido pelo comprador.  Esta restrição é uma consequência do DRM. 
Já agora. Ao comprar um eBook com DRM não posso ler e depois emprestar o eBook a amigos. Nem ler e depois oferecer o eBook. (A não ser que dê a minha password pessoal, que é o equivalente a dar a chave de casa). Os amigos vão mesmo ter de comprar os livros. É rendimento adicional para os autores.

Adiante.... Comprei. Paguei. Descarreguei o eBook. Qualquer compensação que tenha de dar ao autor está dada no ato da compra. Reforço que a minha compra foi o "Direito a descarregar cópias em 5 dispositivos diferentes".

Tenho o ficheiro. Posso então fazer milhares de cópias privadas do ficheiro do eBook. Posso encher muitos gigas de discos externos e memórias de dispositivos com cópias do eBook. Só que essas cópia privadas não servem para nada. Literalmente nada, a não ser para ocupar espaço de armazenamento. Continuo a ser só eu a poder ler o livro e continuo a poder fazê-lo, por muitas cópias inúteis que faça, no máximo dispositivos definido no ato da compra. Se perder o livro,  descarrego de novo da loja.
Não. Ninguém tem qualquer vantagem em fazer cópias privadas de um eBook. Ninguém o faz. Mesmo que o façam, o autor não tem quaisquer perdas por esse facto. Não existe cópia privada de eBooks.

Não existindo uma prática de cópia privada de eBooks adquiridos legalmente, nem vou discutir leis sobre esta coisa que não existe. Mais um Gambozino.

A cópia pirata de eBooks, essa sim, existe. É um problema que se vai agravar e que vale a pena discutir.

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

A lei da cópia privada aplicada aos Livros

Eis a narrativa da cópia privada aplicada aos Livros. Livros, daqueles em papel. 

Vou a uma livraria e compro um livro. Tiro fotocópias ao livro e fico com cópias privadas do livro para poder levar e ler noutros locais sem ter de andar com o livro original atrás. Faço estas cópias ao abrigo da lei da cópia privada, que é uma excepção à lei dos direitos de Autor. 

Felizmente que existe esta excepção! Pois, de outro modo, o livro não poderia ser copiado de todo e eu teria de continuar a comprar várias cópias do mesmo livro para manter este meu hábito de não querer transportar os livros. Como não compro essas cópias, o autor do livro vai vender menos livros e tem direito compensação justa por esta perda. 

Que solução? Fácil.  Pago mais 7,5€+IVA pela impressora/fotocopiadora multi-funções que utilizei para fazer as cópias. Eu fico a ganhar porque este acréscimo é muito mais barato que comprar várias cópias do livro. O autor fica (parcialmente) compensando pela sua perda das vendas. O estado arrecada mais uns euritos de IVA. É o chamado wi-win-win. Todos ganham.

Espera! É ainda melhor! Não nem sequer vou pagar mais 7,5€ pela dita impressora. O fabricante (ou o importador) da impressora/fotocopiadora multi-funções vai incorporar essa taxa na sua margem. Se ele vende impressoras/fotocopiadoras é apenas porque existem autores que escrevem livros tão fantásticos que os leitores não se contentam em ter uma só cópia das obras. Os fabricantes têm mesmo é de estar agradecidos e optimizar os seus custos de produção para incorporar esta devida compensação aos autores, que, bem vistas as coisas, são a razão primordial das suas vendas. 

Voltando ao planeta Terra. Não, eu nunca comprei duas vezes o mesmo livro. Não, não conheço ninguém que o faça. Não, as pessoas não têm as paredes forradas de estantes com cópias das suas obras favoritas, daquelas em papel A4 com encadernamento de argolas… Não. Ninguém, mas mesmo ninguém, gosta de ler fotocópias... Ainda por cima tendo comprado o livro original! 
A realidade é cruel. Infelizmente para os autores ninguém tem o hábito de comprar várias vezes o mesmo livro, muito menos tem o hábito de fazer cópias privadas de livros.

O fulcro da questão não é obviamente a cópia privada. É a cópia pirata. No caso dos livros físicos, a cópia pirata afecta essencialmente o segmento de livros técnicos utilizados por estudantes.

Solução do Governo para resolver um problema de piraria que afecta um nicho do mercado livreiro? Bora lá colocar todo um povo a pagar taxas quando compra impressoras e fotocopiadoras! Dito assim, parecia injusto... Bora lá chamar a isto compensação pela cópia privada!